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Abandono Afetivo (agora é Lei): Quando a ausência machuca mais que a distância

  • Foto do escritor: Joyce Oliveira
    Joyce Oliveira
  • 1 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 5 dias

Abandono Afetivo: Quando a ausência machuca mais que a distância
Abandono Afetivo: Quando a ausência machuca mais que a distância

Nem todo mundo escolhe ser pai ou mãe — e está tudo bem. A parentalidade deve ser, sempre que possível, uma escolha consciente.

O problema começa quando alguém se torna pai ou mãe biologicamente, mas decide fingir que esse filho nunca existiu. Quando ignora, rejeita, despreza e se omite de forma contínua e deliberada.

Há pais que cruzam a rua para evitar um simples olhar. Outros até registram, mas nunca aparecem. O nome está na certidão, mas o afeto nunca chegou.

Para a criança, isso não passa despercebido. Crescer com a ausência emocional do pai ou da mãe gera perguntas difíceis, angústias silenciosas e uma dor que, muitas vezes, se instala cedo e fica para sempre.

Não é raro que crianças e adolescentes desenvolvam quadros de ansiedade, depressão, insegurança emocional e dificuldades de relacionamento.

É comum que, ao notar outras crianças com seus pais, ela questione: “E o meu? Por que ele não está aqui?”. Há mães que fazem de tudo para preservar a imagem paterna, para evitar que o filho nutra ressentimentos. Mas o amor não se ensina com palavras — ele se demonstra com presença, cuidado e vínculo.

Essa é a verdade dura: ninguém pode obrigar alguém a amar. Mas quando a omissão fere, a Justiça pode agir.

E quando esse sofrimento é comprovado, especialmente por laudos psicológicos, o pai (ou mãe) pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados.


O que é o abandono afetivo?

Abandono afetivo não é só falta de amor. É a negligência emocional, a ausência de cuidado, de orientação, de apoio, de afeto, de presença. Vai além da questão financeira: não basta pagar pensão. A criança ou adolescente tem direito à convivência familiar e ao desenvolvimento pleno — que depende também do vínculo afetivo com seus pais.

A Constituição Federal, no artigo 227, é clara ao afirmar que é dever da família assegurar, com absoluta prioridade, os direitos à convivência familiar, à dignidade e à proteção contra toda forma de negligência, discriminação ou violência.

O abandono afetivo, portanto, é também uma forma de violência invisível.


Quando a Justiça reconhece a dor que gera dano moral

A responsabilidade civil por abandono afetivo começou a surgir no início dos anos 2000.

Apesar de decisões isoladas em instâncias inferiores, o STJ ainda não havia consolidado entendimento sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo.

Em 2012, o tema retornou, quando a ministra Nancy Andrighi reconheceu que o abandono afetivo poderia sim gerar indenização por danos morais, considerando o princípio da afetividade e o dever de paternidade responsável.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. REsp n. 1.159.242/SP, R. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.

Desde então, surgiram outras decisões importantes. Em 2021, o mesmo STJ reforçou esse entendimento:

"[...] desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida. Sentença restabelecida quanto ao dever de indenizar, mas com majoração do valor da condenação fixado inicialmente com extrema modicidade (R$ 3.000,00), de modo que, em respeito à capacidade econômica do ofensor, à gravidade dos danos e à natureza pedagógica da reparação, arbitra-se a reparação em R$ 30.000,00." (STJ - REsp: 1887697 RJ 2019/0290679-8, R. Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 21/09/2021)

Importante lembrar: para que haja condenação, não basta a dor ou o ressentimento — é preciso provar os efeitos do abandono, por meio de laudos psicológicos, relatórios escolares, testemunhas ou perícia judicial. A prova técnica é fundamental.


Entendimento do IBDFAM

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) já consolidou o entendimento de que o abandono afetivo pode gerar responsabilidade civil. Segundo o Enunciado 08 da entidade:

Enunciado 08 - O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.

Esse posicionamento reforça a ideia de que o cuidado emocional também é um dever legal dos pais, e que sua omissão pode ter consequências jurídicas.


Agora é lei: o abandono afetivo como ilícito civil

Em 28 de outubro de 2025, o tema ganhou um novo marco jurídico. O Governo Federal sancionou a Lei nº 15.240/2025, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e incluiu, expressamente, o abandono afetivo como ilícito civil.

Antes, o reconhecimento da responsabilidade dos pais por omissão afetiva dependia exclusivamente da interpretação dos tribunais e da doutrina especializada, como o entendimento já consolidado pelo IBDFAM e pelas decisões do STJ.

Agora, a legislação brasileira reconhece de forma expressa o dever de assistência afetiva, o que representa um avanço importante na proteção integral de crianças e adolescentes.

A nova lei determina que os pais devem prestar assistência afetiva aos filhos, por meio de convívio e visitação, o que inclui:

  • Orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais;

  • Solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;

  • Presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente, quando possível de ser atendida.

E agora, estabelece o abandono afetivo como ilícito civil.

Art. 5º ............................................................................................... Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou de adolescente previsto nesta Lei, incluídos os casos de abandono afetivo.

Com essa inovação, o abandono afetivo deixa de depender apenas da jurisprudência e passa a ter previsão legal expressa, fortalecendo o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e ao cuidado emocional.


Quando começa a contar o prazo para processar?

Uma dúvida comum é: quando começa a contar o prazo para entrar com a ação por abandono afetivo? 

A resposta está no entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Se o(a) filho(a) sempre soube quem era o pai ou a mãe, o prazo prescricional de três anos para pedir indenização começa a contar a partir da maioridade civil, ou seja, dos 18 anos.

Veja o que diz a jurisprudência:

"A eg. Quarta Turma desta Corte já decidiu que, sendo a paternidade biológica do conhecimento do autor desde sempre, o prazo prescricional da pretensão reparatória de abandono afetivo começa a fluir a partir da maioridade do autor. (REsp 1298576/RJ, DJe 06/09/2012)" (STJ - AgInt no AREsp: 1270784 SP 2018/0072605-1, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 12/06/2018)

Efeitos além da indenização

O abandono afetivo pode gerar consequências que vão além da esfera patrimonial. Uma delas é a retirada do sobrenome do genitor ausente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu como legítima essa exclusão em caso de abandono afetivo.

Ou seja, o debate não se limita à indenização financeira: envolve também identidade, dignidade e o direito ao pertencimento.


Abandono afetivo x abandono material

O abandono material é quando o pai ou a mãe deixam de prover alimentos e recursos básicos.

Já o afetivo é quando há ausência emocional e negligência no cuidado diário, mesmo que as obrigações financeiras estejam em dia.

Um pai pode pagar pensão rigorosamente e ainda assim ser afetivamente ausente.


E o abandono afetivo como crime?

A discussão sobre criminalizar o abandono afetivo está em andamento no Congresso Nacional. Hoje, ele pode gerar responsabilidade civil, mas não é tipificado como crime.

Há, no entanto, pelo menos três projetos de lei no Senado Federal com esse objetivo. O debate é complexo e envolve questões éticas, psicológicas e jurídicas.

Enquanto a criminalização não avança, o caminho atual é a busca por indenização por danos morais, quando comprovado o nexo entre a omissão do genitor e os prejuízos emocionais sofridos pelo filho.


Conclusão

Ser pai ou mãe é muito mais do que colocar o nome na certidão e pagar pensão. É estar presente, acompanhar, acolher e construir laços. O abandono afetivo é silencioso, mas profundo — e pode, sim, deixar marcas permanentes.

Cada caso é único. Por isso, se você ou alguém que conhece enfrenta uma situação de abandono afetivo, é essencial buscar orientação jurídica especializada.



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