O que é usucapião e como comprovar posse de um imóvel?
- Joyce Oliveira
- 3 de jun.
- 8 min de leitura

Você já ouviu dizer que é possível se tornar proprietário de um imóvel mesmo sem ter escritura registrada? Isso é possível por meio da usucapião, um instituto jurídico previsto na legislação brasileira, que permite a aquisição da propriedade em razão do tempo e da forma como a posse é exercida.
Neste artigo, você vai entender:
O que é posse e sua importância;
O que é usucapião;
Os requisitos legais;
Quais são os tipos existentes;
Como comprovar a posse;
Em quais situações a usucapião não se aplica.
Continue a leitura e entenda seus direitos!
Sumário
O que é posse?
Antes de falar diretamente sobre usucapião, é essencial entender o conceito de posse, pois é a partir dela que esse direito se desenvolve.
A posse é uma situação de fato em que a pessoa exerce poderes típicos de dono, como morar, cuidar, pagar contas e preservar o imóvel — ainda que não tenha um título de propriedade. Ela se diferencia da propriedade, que é um direito real e formal registrado no Cartório de Imóveis, e da detenção, que não gera direito à usucapião (como no caso de uso de bens públicos).
A posse que importa para a usucapião é chamada posse ad usucapionem, que é aquela exercida com a intenção de dono (animus domini), de forma mansa, pacífica, ininterrupta e com duração suficiente, conforme previsto em lei.
O que é usucapião?
A usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade, ou seja, não depende de transferência de outro proprietário. Ela ocorre quando uma pessoa ocupa um imóvel de maneira contínua, pública e sem oposição por determinado período, atendendo aos requisitos legais.
A usucapião é uma ferramenta essencial para regularizar imóveis ocupados de boa-fé, especialmente em contextos populares e familiares, onde o imóvel foi adquirido informalmente ou herdado sem escritura.
Ao final do processo, o juiz (ou o cartório, no caso extrajudicial) declara a propriedade, permitindo o registro formal no Cartório de Registro de Imóveis.
Requisitos básicos para a usucapião
Apesar de existirem diversas modalidades, todos os tipos de usucapião exigem alguns requisitos fundamentais:
Posse mansa, pacífica e ininterrupta: não pode haver disputas ou interrupções no uso do imóvel;
Intenção de dono (animus domini): agir como verdadeiro proprietário;
Posse justa: sem violência, clandestinidade ou precariedade (art. 1.208 do Código Civil);
Lapso temporal exigido por lei: que pode variar de 2 a 15 anos, conforme a modalidade.
Em alguns casos, é necessário comprovar boa-fé e possuir justo título (documento que demonstre a intenção de adquirir o bem).
Características gerais da usucapião
Modo originário de aquisição da propriedade;
Fundamentada na função social da posse;
Exige posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini (intenção de dono);
Aplica-se o regramento da prescrição (Art. 1.244 do Código Civil);
Permite a soma de posses sucessivas (accessio possessionis – Art. 1.207 do CC), exceto nas modalidades urbana e rural (Enunciado 317 da IV Jornada de Direito Civil);
O reconhecimento pode ser feito judicial ou extrajudicialmente.
Como comprovar a posse de um imóvel?
Para dar início a um processo de usucapião, é necessário reunir documentos que demonstrem que você ocupa o imóvel de forma contínua e com ânimo de dono. Exemplos de documentos úteis incluem:
Contas de luz, água e IPTU em seu nome;
Fotografias antigas que demonstrem a ocupação;
Declarações de vizinhos;
Contratos ou recibos de compra e venda (mesmo que informais);
Comprovantes de reformas ou benfeitorias realizadas no imóvel.
Esses elementos ajudam a demonstrar a realidade da posse e sua continuidade ao longo dos anos.
Modalidades de usucapião
Usucapião Extraordinária
Base legal:
Art. 1.238 Código Civil. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Prazo: 15 anos.
Redução para 10 anos: se o possuidor estabeleceu moradia habitual ou realizou obras/investimentos de caráter produtivo.
Esta é a denominada posse-trabalho:
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
📌 Ideal para quem ocupa o imóvel há muito tempo, sem documentos ou oposição.
Usucapião Ordinária
Base legal:
Art. 1.242 Código Civil. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Prazo: 10 anos
Redução para 5 anos: se o imóvel foi adquirido onerosamente, com base em registro cancelado, e o possuidor usou para moradia ou investiu socialmente no local.
Esta é a denominada posse-trabalho:
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Exige: justo título e boa-fé
📌 Indicada para quem possui algum documento, mesmo com falhas, e ocupa o imóvel com boa-fé.
Usucapião especial urbana
Base legal:
Art. 1.240 Código Civil. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Prazo: 5 anos
Área: urbana até 250 m²
Exige: uso para moradia e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural
📌Voltada para famílias de baixa renda que vivem em áreas urbanas sem regularização.
Usucapião especial urbana coletiva
Base legal:
Art. 10 Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Prazo: mais de 5 anos ocupando núcleo urbano informal
Área: até 250 m² por morador, proporcional
Exige: ocupação de núcleo urbano informal, sem oposição, e sem outro imóvel
Destinada a: comunidades de baixa renda
📌Ideal para comunidades ou ocupações consolidadas em zonas urbanas.
Usucapião especial rural ou pró-labore
Base legal:
Art. 1.239 Código Civil. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Prazo: 5 anos
Área: até 50 hectares
Exige: moradia e uso para subsistência do possuidor ou da família, sem ser proprietário de outro imóvel.
📌Voltada para trabalhadores rurais e pequenos produtores que utilizam a terra como meio de vida.
Usucapião familiar
Base legal:
Art. 1.240-A Código Civil. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Prazo: 2 anos
Área: até 250 m²
Exige: imóvel dividido com ex-cônjuge ou companheiro que abandonou o lar; uso exclusivo para moradia; sem outro imóvel
📌 Permite que o cônjuge que permaneceu no imóvel após abandono do outro regularize a propriedade em seu nome.
Usucapião especial indígena
Base legal:
Art. 33 Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio). O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.
Prazo: 10 anos
Área: até 50 hectares
Destinada a: indígenas que ocupam individualmente terras produtivas
📌 Reconhece o direito dos indígenas que não vivem em terras coletivas ou da União.
Tipo de Usucapião | Prazo | Área Máxima | Requisitos Básicos | Observações |
Usucapião Extraordinária (Art. 1.238 CC) | 15 anos (ou 10) | - | Posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini | Redução para 10 anos se houver moradia habitual ou obras produtivas |
Usucapião Ordinária (Art. 1.242 CC) | 10 anos (ou 5) | - | Posse mansa, pacífica e ininterrupta, com justo título e boa-fé | Redução para 5 anos se aquisição onerosa com registro cancelado + moradia ou uso social |
Usucapião Especial Urbana Individual (Art. 1.240 CC) | 5 anos | até 250 m² | Posse ininterrupta, sem oposição, com moradia e sem ser proprietário de outro imóvel | Voltada a moradias em zonas urbanas |
Usucapião Especial Urbana Coletiva (Art. 10 da Lei 10.257/2001) | +5 anos | até 250 m²/pessoa | Ocupação coletiva em núcleo urbano informal, sem oposição, e sem serem proprietários de outros bens | Comunidades ou ocupações consolidadas em zonas urbanas |
Usucapião Especial Rural (Pró-labore) (Art. 1.239 CC) | 5 anos | até 50 hectares | Moradia e uso produtivo do imóvel, posse ininterrupta, sem oposição, e sem outro imóvel | Voltada a pequenos produtores e agricultores familiares |
Usucapião Especial Indígena (Art. 33 da Lei 6.001/73) | 10 anos | até 50 hectares | Ocupação contínua e pacífica por indígena, integrado ou não | Não se aplica a terras da União ou de uso coletivo |
Usucapião Familiar (Art. 1.240-A CC) | 2 anos | até 250 m² | Posse exclusiva, moradia, imóvel compartilhado com ex-companheiro que abandonou o lar | Voltada à regularização do imóvel por quem permanece após separação |
Quando a usucapião não é possível?
A usucapião não se aplica nas seguintes hipóteses:
Imóveis públicos (art. 102 do Código Civil);
Posse baseada em locação, comodato ou autorização de uso (sem ânimo de dono);
Quando não há continuidade ou não há prova da posse;
Quando há oposição manifesta do proprietário (posse deixa de ser mansa e pacífica).
Usucapião Judicial: passo a passo
Verificar os requisitos legais da modalidade aplicável;
Reunir documentos que comprovem a posse;
Contratar um advogado;
Ingressar com a ação judicial, com:
Contas antigas (água, luz, IPTU);
Fotos da posse;
Declarações de testemunhas;
Conversas, recibos etc.;
Pode haver perícia e avaliação do imóvel;
O juiz decide — sentença favorável;
Após o trânsito em julgado, o imóvel pode ser registrado em cartório.
O processo judicial costuma ser mais demorado que o extrajudicial.
Usucapião Extrajudicial: passo a passo
Contratação do advogado;
Solicitação de uma ata notarial no Cartório de Notas (comprova a posse);
Elaboração da planta e memorial descritivo por engenheiro/arquiteto;
Coleta das assinaturas dos vizinhos confrontantes (termo de anuência);
Protocolo do pedido no Cartório de Registro de Imóveis;
Após análise, o imóvel é registrado em seu nome.
Documentos necessários
RG, CPF e certidão de estado civil;
Comprovante de residência atual;
Comprovantes antigos de posse: IPTU, luz, água, internet;
Planta e memorial descritivo do imóvel;
Declarações de vizinhos e testemunhas;
Ata notarial lavrada em cartório;
Certidões negativas (débitos fiscais, ações judiciais).
Por que regularizar um imóvel pela usucapião?
Buscar a regularização do imóvel é investir na sua segurança, patrimônio e tranquilidade. Garante:
Segurança jurídica: você se torna o proprietário legal;
Imóvel valorizado: pode ser vendido, financiado ou transferido;
Acesso ao crédito: imóvel pode ser usado como garantia bancária;
Facilidade para herança ou testamento;
Plena liberdade para reformar, alugar ou vender;
Sem a regularização, você pode perder o imóvel se o verdadeiro dono reclamar judicialmente.
Considerações finais
A usucapião é uma ferramenta poderosa para garantir segurança jurídica a quem ocupa um imóvel de boa-fé e por longo período. Cada modalidade tem suas exigências específicas, e contar com a orientação de um advogado é essencial para analisar o caso, reunir as provas necessárias e conduzir o processo — seja judicial ou extrajudicial.
Se você ou sua família estão há anos em um imóvel sem escritura, pode ser o momento de buscar a regularização por meio da usucapião. A segurança de ter a propriedade no seu nome vale o esforço!
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