Posse, Propriedade e Detenção no Imóvel: Qual a diferença?
- Joyce Oliveira
- 2 de jun.
- 5 min de leitura

Na hora de lidar com um imóvel — seja para comprar, alugar ou até resolver algum conflito — é comum surgirem dúvidas sobre o que significa ter posse, propriedade ou detenção. Embora esses termos pareçam semelhantes, cada um tem um significado jurídico específico e gera consequências diferentes.
Neste artigo, vamos esclarecer de forma simples e objetiva as principais diferenças entre eles, começando pela posse.
O que é a Posse?
A posse é uma situação de fato, protegida pela lei, em que o indivíduo exerce poderes inerentes à propriedade, tais como morar, cuidar, pagar despesas e preservar o imóvel, ainda que não possua título formal de propriedade.
Não corresponde a um direito real sobre o imóvel. Embora esteja prevista no Livro dos Direitos Reais do Código Civil, a posse não está listada no artigo 1.225, que enumera os direitos reais. Portanto, a posse não é um direito real, tampouco um direito obrigacional (que obriga outra pessoa a cumprir algo). A posse pode ser exercida com ou sem respaldo legal, e pode gerar direitos, como o de proteger essa posse ou até mesmo adquirir a propriedade via usucapião, se preenchidos os requisitos legais.
Podemos entender a posse como a situação fática de quem usa e frui um imóvel, ainda que não seja o verdadeiro dono.
Exemplo prático:
O inquilino que mora no imóvel exerce a posse direta.
O proprietário que alugou o imóvel mantém a posse indireta.
Quem mora no imóvel do avô que faleceu tem a posse direta.
Quem tem um terreno, mas não registra a escritura, exerce a posse direta.
A posse está para a propriedade assim como a união estável está para o casamento: uma situação fática, mas com proteção legal.
Classificações da posse
Para compreender melhor a posse, é importante conhecer suas classificações, que se dividem conforme a forma de exercício, legitimidade, boa-fé, existência de título, tempo de posse, finalidade e fundamento:
Quanto à forma de exercício:
Posse direta ou imediata: é exercida por quem está fisicamente no imóvel. Exemplo: o inquilino.
Posse indireta ou mediata: é de quem cedeu o uso do imóvel, mas mantém certos direitos sobre ele. Exemplo: o proprietário que alugou o imóvel.
Quanto à legitimidade (presença ou ausência de vícios objetivos):
Posse justa: não tem vícios como violência, clandestinidade ou precariedade.
Posse injusta: apresenta pelo menos um desses vícios:
Violenta: obtida com força ou ameaça (esbulho).
Clandestina: obtida secretamente, sem que o verdadeiro possuidor perceba.
Precária: começa legítima, mas se torna injusta com o tempo. Exemplo: inquilino que não sai após o fim do contrato.
Quanto à boa-fé:
Posse de boa-fé subjetiva: quando o possuidor acredita, de forma honesta, que tem direito à posse.
Pode haver justo título, como um contrato com vício que parecia válido.
A expressão 'justo título' abrange todo ato jurídico que, em tese, poderia transferir a propriedade, mesmo sem registro. (Enunciado 86 da I Jornada de Direito Civil)
Posse de má-fé: quando o possuidor tem consciência de que está agindo de forma indevida. Pode surgir desde o início ou ser adquirida posteriormente.
Quanto à existência de título:
Posse com título: há um documento ou causa aparente que justifica a posse.
Posse sem título: não há justificativa formal.
Exemplo: encontrar e ocupar um terreno sem dono conhecido.
Quanto ao tempo:
Posse nova: com até 1 ano e 1 dia.
Posse velha: com mais de 1 ano e 1 dia.
Essa classificação é importante para ações judiciais possessórias.
Quanto à finalidade:
Posse ad interdicta: permite o uso de ações possessórias, mas não gera usucapião.
Exemplo: locatário.
Posse ad usucapionem: pode gerar a aquisição do imóvel por usucapião, se cumpridos os requisitos legais.
Quanto ao fundamento:
Jus possidendi: a posse decorre da propriedade. Exemplo: um imóvel recém-comprado.
Gera direito às ações petitórias (ex: ação reivindicatória).
Jus possessionis: posse baseada apenas no fato, independentemente de ter escritura.
Gera direito às ações possessórias (ex: reintegração de posse).
Importante: não há fungibilidade entre ações possessórias e petitórias — cada uma tem requisitos próprios.
Detenção: Quando não há posse
A detenção ocorre quando alguém está em contato físico com o bem, mas em nome de outra pessoa, sem intenção de exercer posse própria. É uma situação de mera custódia, também chamada de fâmulo da posse.
Situações típicas de detenção:
Gestor ou servidor da posse: é aquele que se achando em relação de dependência para com outrem, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens e instruções suas. (art. 1.198 CC). Exemplo: caseiro e motorista.
Permissão ou tolerância: Exemplo: uma amiga que se hospeda temporariamente.
Posse viciada (violenta ou clandestina) enquanto não cessado o vício. (art. 1.208 CC)
Bens públicos: não admitem posse com fins de usucapião — apenas detenção.
Características da detenção:
O instituto, por si só, não permite que se torne posse e gere uma usucapião, porque existe uma relação de ordem do dono ao detentor.
É recomendável formalizar contratos para demonstrar a relação de detenção e evitar conflitos.
Não dá direito a ações possessórias.
Pode autorizar autotutela da posse, como a defesa do imóvel contra invasores (Enunciado 493 da V Jornada de Direito Civil).
O que é a Propriedade?
A propriedade é um direito real sobre coisa própria, protegido constitucionalmente como direito fundamental (art. 5º, XXII, da Constituição Federal), mas limitado pela função social da propriedade (art. 5º, XXIII).
São atributos da propriedade (art. 1.228 CC):
Usar (jus utendi): morar no imóvel, por exemplo.
Gozar ou fruir (jus fruendi): alugar ou colher frutos do bem.
Dispor (jus disponendi): vender, doar, trocar, gravar de ônus.
Reivindicar (rei vindicatio): direito de reaver o bem, inclusive por ação judicial.
A propriedade plena reúne todos os atributos acima. Já a propriedade limitada é aquela em que algum direito está na titularidade de terceiros — como no caso do usufruto.
Por que entender essas diferenças é importante?
Saber distinguir posse, propriedade e detenção é essencial para entender seus direitos e proteger seu imóvel. Por exemplo:
O possuidor pode perder a posse se for esbulhado, mas pode protegê-la por meio de ações possessórias e, em alguns casos, adquirir a propriedade via usucapião.
O proprietário tem o direito de reivindicar seu imóvel de quem esteja de forma injusta, podendo usar ações judiciais específicas.
O detentor, por sua vez, tem apenas uma relação de custódia, sem proteção possessória, e deve respeitar o direito do possuidor ou proprietário.
Diferença de Posse, Propriedade e Detenção
Veja a tabela comparativa de Posse, Propriedade e Detenção:
Aspecto | Posse | Propriedade | Detenção |
Definição | Exercício de fato sobre um bem, com aparência de dono | Direito real sobre o bem, com registro e proteção legal plena | Contato físico com o bem, sem intenção ou direito de posse, sob ordem de outro |
Natureza jurídica | Situação de fato com proteção jurídica | Direito real previsto no Código Civil (art. 1.228) | Não é posse nem propriedade – não tem proteção possessória |
Exemplos | Morador de um terreno sem escritura; inquilino | Proprietário com escritura registrada | Caseiro, hóspede, funcionário |
Pode gerar usucapião? | Sim, em alguns casos | Não se aplica (já há propriedade) | Não, pois há subordinação |
Tem ações judiciais próprias? | Sim – ações possessórias | Sim – ações petitórias (como reivindicatória) | Não tem ações específicas (apenas defesa indireta da posse alheia) |
Requer título? | Não necessariamente | Sim – exige registro no cartório de imóveis | Não |
Conclusão
Saber distinguir entre posse, propriedade e detenção é fundamental para compreender melhor seus direitos sobre um imóvel.
Se você está enfrentando uma situação envolvendo imóveis — seja como possuidor, proprietário ou detentor —, busque orientação jurídica adequada para proteger seus interesses.
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