União Estável: você pode está vivendo uma união estável sem saber
- Joyce Oliveira
- 9 de mar.
- 9 min de leitura
Atualizado: 4 de jun.

Muitas pessoas acreditam que só existe vínculo jurídico entre casais quando há uma cerimônia de casamento formal, com vestido branco, troca de alianças e certidão no cartório. Mas a verdade é que o Direito reconhece outra forma legítima de constituição de família: a união estável. E o mais curioso é que ela não precisa de nenhuma formalidade para existir.
Com a rotina corrida, a convivência natural entre casais e os novos formatos de relacionamento, não é raro que dois parceiros estejam vivendo uma união estável sem saber. Esse desconhecimento, no entanto, pode trazer sérias consequências – especialmente quando o relacionamento chega ao fim ou quando um dos companheiros falece.
Muitos casais constroem uma vida juntos: compram bens, têm filhos, planejam o futuro. Mas, sem a consciência de que vivem em união estável, deixam de formalizar essa relação ou definir regras patrimoniais. Quando surge um conflito ou uma perda, não saber onde a relação se enquadra pode gerar insegurança jurídica, brigas na Justiça e até perda de direitos.
Ao mesmo tempo, outras pessoas vivem um namoro mais intenso — inclusive com filhos e planos — e acham que isso já configura uma união estável, quando na verdade ainda não há características jurídicas suficientes para tanto.
Diante disso, é natural surgirem perguntas como:
Minha relação é só um namoro ou já é considerada união estável?
Se não assinamos nada, mesmo assim tenho direitos?
Morar junto automaticamente caracteriza união estável?
É possível proteger meu patrimônio em um relacionamento sem casamento?
Essas dúvidas são legítimas e merecem atenção. Afinal, entender os limites e os efeitos jurídicos da união estável é uma forma de se proteger e agir com responsabilidade afetiva — tanto com o outro quanto consigo mesmo.
Aliás, a união estável está mais presente na realidade brasileira do que muitos imaginam. De acordo com o Censo do IBGE de 2010, 36,4% dos relacionamentos eram caracterizados como união estável, e esse número tem crescido consideravelmente ao longo dos anos. Muitos casais têm deixado de oficializar o casamento civil e estão apenas convivendo em união estável – e, em muitos casos, vivendo uma união estável sem saber.
A percepção de que viver na informalidade é a melhor opção por questões burocráticas e financeiras, e que o término seria mais fácil, como se fosse uma vantagem, pode ser, na verdade, um ponto de dificuldade na hora de provar a existência da união. É exatamente nesse cenário que muitas pessoas acabam vivendo uma união estável sem saber.
Isso porque há um equívoco comum: acreditar que a união estável só existe se for formalizada em cartório. No entanto, como veremos, trata-se de uma situação fática. Mas afinal, será que você está vivendo uma união estável sem saber?
Neste artigo, vamos conversar sobre o que é união estável, quais os seus requisitos, como ela se diferencia do namoro e do casamento e como a Justiça analisa esse tipo de relação na prática. Você vai perceber que, mais do que etiquetas formais, o que importa é como o casal vive e se apresenta para o mundo.
Se você está em um relacionamento sério ou deseja entender melhor seus direitos no campo afetivo, este conteúdo é para você.
O que é união estável?
A união estável é uma entidade familiar reconhecida pela Constituição Federal (art. 226, § 3º) e pelo Código Civil (art. 1.723). Ela é caracterizada por uma convivência duradoura, pública, contínua e com o intuito de constituir família.
Ou seja, é o tipo de relação em que, mesmo sem casamento formal, o casal já se comporta como uma família: compartilham a vida, tomam decisões em conjunto, planejam o futuro, muitas vezes criam filhos e dividem responsabilidades.
A união estável não exige coabitação nem registro em cartório para existir.
Quais são os requisitos da união estável?
Requisitos objetivos:
Pública – O casal se apresenta socialmente como família. Amigos, familiares e vizinhos sabem da existência da relação.
Contínua – Não é uma relação de idas e vindas constantes. Pode até haver pausas, mas o vínculo se mantém estável.
Duradoura – A lei não define um prazo mínimo, mas é necessário algum tempo de convivência que demonstre estabilidade.
Requisito subjetivo:
Intuito de constituir família – Essa é a essência da união estável. Não é apenas um relacionamento com planos futuros, mas sim um compromisso de vida em comum, no presente.
💭 Reflexão: Quando você olhava para esse casal, o que via? Uma família? Namorados? Apenas amigos? Essa percepção externa costuma traduzir o modo como o casal se comporta – e pode ser um indício importante na hora de caracterizar a união estável.
Namoro, namoro qualificado e união estável: entenda as diferenças
Tanto o namoro quanto a união estável são relações informais e baseados na convivência afetiva, o que pode gerar confusão. Mas do ponto de vista jurídico, são situações bem diferentes – e isso pode impactar diretamente questões como herança e partilha de bens.
O desenvolvimento de um relacionamento pode ser observado por etapas:
Ficar: é um estágio inicial, em que as pessoas apenas se conhecem, sem vínculo duradouro ou compromissos maiores.
Namoro: já existe afeto, vínculo e continuidade. O casal se vê com frequência, assume o relacionamento, mas não há vida em comum nem intenção imediata de formar uma família.
Namoro qualificado: é uma etapa intermediária reconhecida pelo STJ. O casal tem um vínculo mais forte, inclusive pode morar junto, viajar e compartilhar planos, mas ainda não vive como se fosse uma família. Existe o desejo futuro de constituir uma união estável ou se casar, mas isso ainda não aconteceu.
União estável: é o estágio de vida em comum. Já existe uma configuração de família, com laços afetivos e patrimoniais. O casal vive como se fosse casado, com ou sem formalização.
Por exemplo, João e Maria namoram há cinco anos e moram juntos há três. Eles compartilham despesas, viajam como casal e são vistos socialmente como companheiros. Mesmo sem um documento formalizando a relação, podem estar vivendo uma união estável sem saber.
E o contrato de namoro? Ele funciona?
O contrato de namoro é um documento que alguns casais fazem para afirmar que a relação é apenas um namoro – e não uma união estável. É muito usado por motivos patrimoniais, como proteger bens em caso de separação ou falecimento.
No entanto, esse contrato não tem força absoluta. Na prática, o que importa é o comportamento do casal.
(Des)necessidade de morar juntos
Morar sob o mesmo teto não é requisito obrigatório para a configuração da união estável. Da mesma forma, viver juntos não significa, necessariamente, que há intenção de constituir família.
Casais podem morar juntos por necessidade (profissional, educacional) e não viver uma união estável.
Outros casais podem viver separados fisicamente, mas se considerarem família, o que pode caracterizar união estável.
Ou seja, tudo depende das circunstâncias do relacionamento.
Diferenças entre união estável e casamento
Apesar das semelhanças, união estável e casamento não são exatamente a mesma coisa.
A principal diferença está na formalidade:
o casamento exige um processo burocrático e registro no cartório;
já a união estável nasce da convivência e pode ou não ser formalizada por escritura pública.
Mas do ponto de vista legal, a igualdade entre os dois institutos foi reconhecida, inclusive no que se refere ao regime de bens e aos direitos sucessórios.
Regime de bens na união estável:
O regime padrão é o da comunhão parcial de bens – assim como no casamento.
É possível escolher outro regime (como separação total) por meio de um pacto de convivência.
Assim, mesmo sem formalizar, muitos casais estão vivendo uma união estável, o que pode gerar implicações jurídicas importantes, principalmente no que diz respeito aos bens e herança.
O reconhecimento da união estável ao longo do tempo
Antes da Constituição de 1988, a união estável não era reconhecida legalmente e era tratada como concubinato puro, ou seja, a convivência entre duas pessoas livres e desimpedidas sem qualquer efeito jurídico. O casal podia até viver como se casado fosse, mas não tinha direito a partilha, herança ou pensão.
Havia ainda o concubinato impuro, que continua existindo até hoje (hoje apenas "concubinato"): quando um ou ambos são legalmente impedidos de se casar, como no caso de alguém ainda casado. (art. 1.727 do CC).
Por outro lado, quem vivia em concubinato puro antes da Constituição de 1988 não pode requerer o reconhecimento da união estável, pois esse instituto ainda não existia legalmente.
A partir da Constituição de 1988, a união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar, conforme o § 3º do art. 226:
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Importante: A expressão “homem e mulher” foi declarada inconstitucional pelo STF. A união estável deve ser reconhecida também para casais homoafetivos, conforme decisões na ADI 4277 e na ADPF 132.
Como formalizar a união estável
É possível formalizar a união estável por:
Escritura pública de união estável
O casal comparece a um cartório de notas e declara que vive em união estável, podendo incluir dados como:
data de início da união;
regime de bens escolhido;
se desejam manter os nomes de solteiros;
outras cláusulas patrimoniais ou pessoais, como a possibilidade de pensão entre os companheiros.
A lavratura da escritura possui custos.
2. Contrato particular de convivência
É um documento elaborado por um advogado, onde o casal define as regras da união, especialmente no aspecto patrimonial. Apesar de ter validade jurídica, pode ser necessário registrá-lo em cartório para produzir efeitos perante terceiros.
3. Reconhecimento judicial da união estável
Nem sempre há consenso entre os companheiros sobre o início, a existência ou o fim da relação. Em muitos casos, por causa da separação litigiosa ou o falecimento de um deles, é necessário recorrer ao Judiciário para obter esse reconhecimento ou regularizar a separação. É aí que entra a ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Essa ação tem dois objetivos principais:
Reconhecer que existiu uma união estável entre o casal, com base em provas e testemunhas;
Dissolver essa união, ou seja, encerrar formalmente a relação, tratando da divisão de bens e, se for o caso, de questões relacionadas a filhos, pensão e outros direitos.
O reconhecimento depende do contexto fático do caso e da análise conjunta de todos os elementos apresentados. Ou seja, quanto mais provas houver, maior a chance de comprovar que estão vivendo uma união estável.
A comprovação pode ser feita por meio de:
Testemunhas: Pessoas próximas ao casal, como familiares e amigos, podem confirmar a existência da relação e a convivência pública e duradoura.
Fotos e postagens em redes sociais: Embora sejam indícios importantes, essas provas, por si só, podem não ser suficientes para comprovar a união estável. O ideal é que estejam acompanhadas de outros elementos. Mas são importantes para demonstrar o requisito da publicidade.
Contas bancárias conjuntas: Demonstram que o casal compartilha responsabilidades financeiras, o que pode ser um forte indício de união estável.
Comprovantes de endereço em comum: Documentos que mostrem que ambos residem no mesmo local, como contas de luz, água ou contrato de aluguel, podem ser fundamentais para fortalecer a comprovação.
Declarações em documentos oficiais: Inclusão como dependente no plano de saúde, no Imposto de Renda ou na previdência social são evidências documentais importantes da união.
Atas notarias de conversas: algumas conversas de WhatsApp podem ser essenciais.
4. Termo declaratório ou termo de distrato de união estável
O termo declaratório ou distrato de união estável é um documento formalizado perante o oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, contendo a declaração de vontade, livre e consciente, dos companheiros.
É importante destacar que essa forma de formalização é alvo de críticas na doutrina, uma vez que, em tese, tal atribuição deveria ser exercida pelo tabelião de notas, e não pelo oficial de registro civil. A lavratura do termo possui custos.
É necessário registrar? Como fazer isso?
Para que a união estável produza efeitos perante terceiros, é essencial que haja o registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais.
São registráveis os seguintes documentos:
Sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução de união estável;
Instrumentos particulares;
Termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil;
Escrituras públicas;
Documentos lavrados no exterior.
O registro será feito no Livro E do cartório da circunscrição onde os companheiros têm — ou tiveram — sua última residência comum, conforme dispõe o art. 94-A Lei 6.015/73.
No caso de documentos lavrados no exterior por cidadão brasileiro, é necessário que estejam devidamente legalizados ou apostilados, além de acompanhados de tradução juramentada, conforme o §3º do art. 94-A da mesma lei.
Por que formalizar?
A formalização é especialmente importante quando o casal:
deseja adotar um regime de bens diferente da comunhão parcial;
precisa comprovar a união para inclusão em plano de saúde, previdência ou financiamento;
quer evitar disputas familiares em caso de falecimento de um dos companheiros;
planeja adquirir bens e deseja deixar claro como será a partilha, em caso de separação.
Lembre-se: a formalização não cria a união estável, apenas declara e registra o que já existe. Mas esse registro é uma ferramenta poderosa de proteção, tanto pessoal quanto patrimonial.
Conclusão
A união estável é uma forma legítima de constituição de família, com efeitos legais importantes. Ela não depende de registro, mas nasce da convivência com aparência de casamento, marcada por estabilidade, continuidade e objetivo de vida em comum.
Muitas pessoas estão vivendo uma união estável sem saber, e o reconhecimento dessa condição pode ter impactos importantes em questões patrimoniais, sucessórias e previdenciárias.
Por isso, é essencial contar com a orientação de um advogado especializado para entender seus direitos e deveres dentro dessa relação.
Se você desconfia que possa estar vivendo uma união estável sem saber, busque orientação jurídica o quanto antes para garantir sua segurança e seus direitos.
Ainda tem alguma dúvida? Basta clicar no botão abaixo para ser direcionado a nossa advogada.
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