É possível deserdar um filho? Entenda quando alguém pode ser excluído da herança
- Joyce Oliveira

- 28 de jul.
- 5 min de leitura

Embora a Constituição garanta o direito à herança, ela não é absoluta, especialmente quando sua conduta atenta contra a dignidade ou os interesses do falecido.
Deserdar um filho ou excluí-lo da herança não é algo simples nem comum, mas a lei brasileira prevê situações em que isso é possível, por meio da indignidade ou da deserdação.
Neste artigo, você vai entender:
O que é indignidade e o que é deserdação;
Quais são os motivos legais para excluir alguém da sucessão;
Como funciona o processo judicial.
O que é a Exclusão da Herança?
A exclusão da herança é uma sanção civil, que ocorre quando uma pessoa perde o direito de receber os bens deixados por alguém após o falecimento. Isso pode acontecer por dois caminhos jurídicos distintos, previstos no Código Civil:
Indignidade: exclusão judicial por atos graves contra o falecido (art. 1.814 a 1.818 do Código Civil)
Deserdação: exclusão voluntária feita pelo testador por meio de testamento (art. 1.961 a 1.965 do Código Civil)
Embora ambas resultem na exclusão do herdeiro, elas têm fundamentos e formas de aplicação diferentes. Vamos explicar a seguir.
Indignidade: A Exclusão Judicial do Herdeiro
A indignidade é uma punição imposta pelo juiz diante de uma conduta objetivamente reprovável do herdeiro contra o falecido. Ou seja, a pessoa perde o direito à herança por ter cometido um ato grave previsto na lei, mesmo que o falecido não tenha deixado testamento.
Exemplos de atos que tornam um herdeiro indigno (art. 1.814 do CC):
Homicídio doloso tentado ou consumado contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
Acusação caluniosa em juízo contra o falecido;
Crimes contra a honra do falecido ou de seu cônjuge ou companheiro;
Violência ou fraude para impedir o testamento ou influenciar a vontade do testador.
Apesar de o rol legal ser taxativo, ele não exige interpretação puramente literal. Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, a exclusão por indignidade se aplica também a atos infracionais análogos ao homicídio doloso, ainda que o autor tenha menos de 18 anos à época dos fatos. Isso porque a finalidade da norma é proteger valores éticos fundamentais e reprimir condutas atentatórias à vida do falecido, independentemente da nomenclatura penal do ato. Veja-se:
"Hipótese em que é incontroverso o fato de que o recorrente, que à época dos fatos possuía 17 anos e 06 meses, ceifou propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe, motivo pelo qual é correta a interpretação segundo a qual a regra do art. 1.814, I, do CC/2002, contempla também o ato análogo ao homicídio, devendo ser mantida a exclusão do recorrente da sucessão de seus pais." (STJ – REsp 1.943.848/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15/02/2022, DJe 18/02/2022)
A decisão reforça que, embora o rol seja fechado, a sua interpretação pode ser sistemática e teleológica, desde que não crie novas hipóteses, mas amplie o alcance das previstas quando isso for necessário à preservação do espírito da lei.
Por outro lado, o abandono afetivo ou ausência emocional, por mais dolorosos que sejam, não autorizam a exclusão por indignidade, pois não estão previstos no art. 1.814 do Código Civil.
Nesse sentido, o TJ/RJ julgou improcedente a ação de exclusão por indignidade fundada em abandono:
"A hipótese de abandono parental não se encontra descrito dentre as hipóteses taxativas elencadas no art. 1.814 do Código Civil que autorizam a exclusão por indignidade do herdeiro. Julgados do STJ e desta Corte Estadual" (TJ-RJ - APL 0153760-29.2021.8.19.0001, Rel. Des. Wilson do Nascimento Reis, j. 12/09/2023)
Assim, a exclusão por indignidade deve ser baseada em condutas graves, dolosas e tipificadas na lei, sempre com confirmação judicial e observância estrita dos fundamentos legais.
Deserdação: Quando o Testador Exclui um Herdeiro no Testamento
A deserdação é a forma pela qual o próprio autor da herança afasta voluntariamente um herdeiro necessário, por meio de cláusula expressa no testamento, com a indicação clara do motivo legal.
Essa medida extrema visa proteger a dignidade do testador, e somente será válida se o motivo legal for claramente indicado no testamento e, posteriormente, confirmado judicialmente.
Quem pode ser deserdado?
A deserdação só se aplica aos herdeiros necessários: filhos, netos, pais, avós e cônjuge.
Art. 1.961, Código Civil: Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.
Ou seja, a deserdação pode ocorrer:
Pelos mesmos motivos que ensejam a indignidade (art. 1.814), e
Por outras causas específicas, previstas nos arts. 1.962 e 1.963, a depender de quem é o herdeiro e quem é o testador.
Motivos que autorizam a deserdação:
Além das hipóteses do art. 1.814, o Código Civil prevê motivos adicionais, divididos conforme a relação entre as partes:
1- Quando o testador é ascendente e o herdeiro é descendente (art. 1.962):
Ofensa física;
Injúria grave;
Relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
Desamparo do ascendente em estado de alienação mental ou grave enfermidade.
2. Quando o testador é descendente e o herdeiro é ascendente (art. 1.963):
Ofensa física;
Injúria grave;
Relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou neta;
Desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Exemplo prático: um pai pode deserdar um filho que o abandonou durante grave enfermidade, se esse abandono for devidamente demonstrado no processo judicial após o falecimento.
Como Funciona o Processo de Exclusão?
Para casos de indignidade:
O reconhecimento da indignidade depende de ação judicial (ação de exclusão por indignidade), ajuizada por outro herdeiro ou interessado, no prazo de até 4 anos a partir da abertura da sucessão, ou seja, do falecimento do autor da herança (art. 1.815, §1º do CC).
O juiz analisará as provas do ato praticado contra o falecido;
Se reconhecida, o herdeiro é excluído da sucessão e sua parte é redistribuída entre os demais.
Para casos de deserdação:
O falecido precisa deixar um testamento declarando expressamente o motivo legal da deserdação;
Após o falecimento, os demais herdeiros devem propor ação declaratória da deserdação, devendo comprovar que o fato declarado é verdadeiro, em até 4 anos após a abertura do testamento, prazo que, se não respeitado, extingue o direito de confirmar a deserdação;
O herdeiro deserdado poderá se defender em juízo.
O juiz decidirá se o motivo invocado é válido;
Sendo confirmada, o herdeiro é excluído da herança.
Conclusão: É Possível Deserdar um Filho?
Sim, é possível deserdar um filho ou excluí-lo da herança, mas apenas em situações previstas na lei, como ofensa grave, abandono em caso de doença, violência ou calúnia contra o falecido.
Se você quer entender se há base legal para excluir um herdeiro da sucessão, procure orientação jurídica qualificada para avaliar o caso com cautela e dentro dos limites legais.




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