Ordem de Vocação Hereditária: A Estrutura Legal da Sucessão Legítima no Direito Brasileiro
- Joyce Oliveira
- 7 de jul.
- 4 min de leitura

A sucessão hereditária no ordenamento jurídico brasileiro segue uma lógica preestabelecida quando o falecido não deixa testamento. Trata-se da chamada sucessão legítima, regida pelo artigo 1.829 do Código Civil, que estabelece a chamada ordem de vocação hereditária — a sequência legal de chamamento à herança, respeitando o grau de parentesco, a existência de vínculo conjugal ou de união estável e as regras específicas aplicáveis a cada classe de herdeiros.
Este artigo tem por objetivo apresentar, de forma técnica e objetiva, os critérios legais que orientam a sucessão legítima, destacando os principais aspectos da concorrência entre herdeiros e os direitos decorrentes de cada vínculo familiar.
Sucessão Legítima: Estrutura e Hierarquia dos Herdeiros
A sucessão legítima determina a ordem legal de chamados à herança, assegurando a distribuição patrimonial conforme os graus de parentesco previstos no Código Civil.
1. Primeira Classe: Descendentes em Concorrência com o Cônjuge ou Companheiro
A sucessão tem início com os descendentes do de cujus, que compreendem filhos, netos e bisnetos. Conforme dispõe o art. 1.829, I, do Código Civil, os descendentes concorrem com o cônjuge sobrevivente, desde que o regime de bens do casamento ou da união estável permita a comunicação patrimonial.
A concorrência do cônjuge dependerá, portanto, da análise do regime de bens:
Comunhão parcial de bens: o cônjuge sobrevivente concorrerá apenas quanto aos bens particulares do falecido, ou seja, aqueles que não se comunicam nos termos do art. 1.658 do CC;
Comunhão universal de bens: se todo o patrimônio for comum ao casal, não haverá concorrência sucessória, pois o cônjuge sobrevivente já possui meação sobre os bens;
Separação convencional de bens: há previsão legal para a concorrência, independentemente de o acervo ser constituído em conjunto ou individualmente;
Além disso, aplica-se a exclusão dos graus mais remotos pelos mais próximos. Assim, existindo filhos, netos e bisnetos não herdam; na ausência de filhos, a herança passa aos netos, e assim por diante.
Admite-se o direito de representação dos descendentes (art. 1.851 do CC), o que permite que netos herdem por estirpe a cota que caberia ao filho pré-morto.
Os descendentes são herdeiros necessários, protegidos pela legítima, nos termos do art. 1.845 do Código Civil, sendo-lhes assegurada a metade dos bens da herança, independentemente de disposição testamentária.
2. Segunda Classe: Ascendentes em Concorrência com o Cônjuge ou Companheiro
Na ausência de descendentes, a herança será transmitida aos ascendentes, que também concorrem com o cônjuge ou companheiro sobrevivente (art. 1.829, II, CC).
Aplica-se a mesma regra de proximidade de grau: os pais excluem os avós, e assim sucessivamente. Quando ambos os pais são vivos, a partilha será feita entre eles e o cônjuge sobrevivente, em partes iguais.
Assim como os descendentes, os ascendentes são herdeiros necessários, e a eles também se aplica a proteção da legítima.
3. Terceira Classe: Cônjuge ou Companheiro Sobrevivente
Na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente herda a totalidade da herança, de forma exclusiva, independente do regime de bens (art. 1.829, III, CC).
É indispensável observar a existência de união estável devidamente caracterizada, que deve ser comprovada por meio de documentos ou reconhecimento judicial, nos termos do art. 1.723 do Código Civil e da jurisprudência consolidada do STJ.
Tanto o cônjuge quanto o companheiro são considerados herdeiros necessários, com direito à legítima, o que impede sua exclusão por testamento.
4. Quarta Classe: Colaterais até o Quarto Grau
Na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro sobrevivente, a herança será deferida aos parentes colaterais até o quarto grau, nos termos do artigo 1.829, inciso IV, do Código Civil.
São considerados colaterais, para fins sucessórios:
Irmãos (2º grau);
Sobrinhos e tios (3º grau);
Primos, sobrinhos-netos e tios-avôs (4º grau).
O direito de representação sucessória, previsto no artigo 1.851 do Código Civil, aplica-se somente aos filhos de irmãos, ou seja, aos sobrinhos, desde que em substituição ao irmão pré-morto. Não há representação nos graus mais distantes da linha colateral.
Cabe salientar que os colaterais não são herdeiros necessários e, portanto, podem ser totalmente preteridos por testamento, respeitada a legítima, quando existente. Na inexistência de herdeiros necessários, o autor da herança pode dispor livremente de todo o seu patrimônio por meio de disposição testamentária.
Na eventualidade de ausência de herdeiros legítimos ou testamentários, a herança será declarada vacante, e posteriormente será recolhida ao patrimônio do Estado, nos moldes do artigo 1.844 do Código Civil.
Considerações Finais
A ordem de vocação hereditária é um dos pilares do Direito das Sucessões, conferindo segurança jurídica à distribuição do patrimônio em casos de sucessão legítima. O correto entendimento da hierarquia legal de herdeiros e da possibilidade de concorrência entre classes é indispensável para advogados, inventariantes e demais interessados no espólio.
Além disso, é fundamental atentar-se ao regime de bens adotado no casamento ou união estável, às hipóteses de exclusão da sucessão e à existência de testamento válido, que podem alterar significativamente o resultado da partilha.
Em razão da complexidade das regras sucessórias e da pluralidade de situações familiares contemporâneas, recomenda-se a orientação de um advogado especializado na área, tanto para o planejamento sucessório quanto para a condução de inventários judiciais ou extrajudiciais.
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